segunda-feira, 28 de novembro de 2011


"Vasculhando nas memórias algum assunto, encontrei a carta que eu rabisquei na capa de um livro: “pra você”, era o destinatário.
Não sei por que não mandei, talvez não quisesse passar a limpo o passado.
Em letras garrafais eu te dizia: “acertei o caminho não porque segui as setas, mas porque desrespeitei todas as placas de aviso”.
E achei curioso eu usar essa metáfora sem nem ao certo saber o que queria te dizer com isto.
E depois de repousadas aquelas palavras eu percebi quanta coisa eu escrevi pra você, querendo dizer pra mim.
Porque eu jamais chegaria aonde cheguei se só andasse em linha reta.
Tive que voltar atrás, andar em círculos, perder dias, perder o rumo, perder a paciência e me exaurir em tentativas aparentemente inúteis pra encontrar um quase endereço, uma provável ponte: a entrada do encontro.
Você tão ocupado com seus mapas, tão equipado com sua bússola, demorou tanto, fez sinais de fumaça e não veio.
Você simplesmente não veio.
Mas me ensinou a intuir caminhos certos, a confiar nos passos, a desconfiar dos atalhos.
Porque eu estava do outro lado e só.
Sem amparo. Mas caminhava.
E você estava absolutamente equipado com seu peso.
E impedido de andar por seus medos."

(Marla de Queiroz)

domingo, 27 de novembro de 2011


Às vezes, na estranha tentativa de nos defendermos da suposta visita da dor, soltamos os cães. Apagamos as luzes. Fechamos as cortinas. Trancamos as portas com chaves, cadeados e medos.
Ficamos quietinhos, poucos movimentos, nesse lugar escuro e pouco arejado, pra vida não desconfiar que estamos em casa.
A encrenca é que, ao nos protegermos tanto da possibilidade da dor, acabamos nos protegendo também da possibilidade de lindas alegrias. Impossível saber o que a vida pode nos trazer a qualquer instante, não há como adivinhar se fugirmos do contato com ela, se não abrirmos a porta. Não há como adivinhar e, se é isso que nos assusta tanto, é isso também que nos dá esperança.

É maravilhoso quando conseguimos soltar um pouco o nosso medo e passamos a desfrutar a preciosa oportunidade de viver com o coração aberto, capaz de sentir a textura de cada experiência, no tempo de cada uma. Sem estarmos enclausurados em nós mesmos, é certo que aumentamos as chances de sentir um monte de coisas, agradáveis ou não, mas o melhor de tudo, é que aumentamos as chances de sentir que estamos vivos. Podemos demorar bastante para perceber o óbvio: coração fechado já é dor, por natureza, e não garante nada, além de aperto e emoções mofadas. Como bem disse Virginia Woolf,
"não se pode ter paz evitando a vida."


(Ana Jácomo)