sexta-feira, 25 de novembro de 2011


"Tudo novo de novo

O choro secou. Um outono doce impera com seu aconchego de amor e lucidez, suaves.
E esse abraço aveludado que chegou repentinamente, num calorzinho de cuidados e curas.
Não restam mais feridas.
A dor perdeu seu lugar na minha rotina e foi procurar outros rumos.
Tenho novos sonhos e um sono novo e profundo.
Suavemente tudo mudou de ritmo e celebrei o tempo de cada novo passo.
A princípio tive tanta ansiedade, porque tudo parecia um turbilhão, mas de que adianta tentar pular aprendizados?
Se é de poesia que o poeta precisa, vamos a ela e não mais à repetição de uma melancolia eterna e bem aprimorada.
Chuva e sol, calor e frio: eis o equilíbrio da vida.
Se eu nasci com o sorriso mais largo do mundo, não vou entristecer o meu olhar nem anestesiar minha alegria.
O choro secou.
Já era tempo de prestar mais atenção em outras cores, promover como prediletas outras flores e entrar no mar sem medo, furando a onda com respeito e repetindo a cena com entrega e confiança.
Nada ficou fragmentado.
Saí inteira e o amor em mim transborda: pele aceitando carícia, olhar brilhando com a menor das delícias.
O toque é novo e a respiração tranqüila.
Às vezes ainda ofego um pouco, mas quem disse que artista nasceu para sentir pouco? Importante agora é que o choro secou.
Antes o meu pranto era cego.
Tive que olhar longamente no espelho pra saber o que ainda poderia resgatar de mim.
Não quis nada do que restou, quis o meu sorriso novo, minhas portas abertas e a vontade de saltar novamente no desconhecido.
E hoje eu só choro se for de alegria.
(...)Os grandes relacionamentos que tive foram os que me renderam as melhores metáforas.
Que me despertaram uma vontade constante de ser uma pessoa cada vez melhor e mais inteira.
Que me deram colo e não conselho e beijo na boca quando o silêncio ainda era a melhor resposta. Algumas dessas pessoas se foram antes que eu pudesse lhes contar uma história bonita e eu chorei feito menina.
Outras ficaram até descobrir que uma caixa de quiwís era o melhor presente que eu poderia ganhar no meio de uma tarde triste...
Outras, ainda, me cobraram respostas demais e eu só sabia que nunca aprendi a andar de perna de pau porque tenho medo de altura (o que por um lado pode ser também resposta para várias outras coisas).
Mas todas essas pessoas me desenvolveram e isso ficou comigo; são minhas porque faziam parte do meu potencial amoroso e elas vieram só pra me conduzir ao melhoramento do meu amor.
Hoje o meu grau de exigência aumentou muito porque aprendi que dar amor não é a mesma coisa que dar carência.
Por isso fico sozinha pelo tempo que for necessário para ter novamente essa sensação de "encontro".
Abandonei um monte de certezas, recuso sem pudor algumas regras e desrespeito várias vezes as placas de aviso de perigo.
Me divirto muito ou sofro, mas tenho cada vez mais faisquinhas nos olhos por viver as coisas em sua totalidade, sem recusar experiências e aproveitando diversas possibilidades.
O que posso dizer é que existem na vida pessoas sedutoras e seduzíveis por quem nos apaixonaremos "definitivamente" todos os dias e que amaremos "para sempre"... hoje!
Agora, tem um lado muito romântico meu que diz que a "tal pessoa" virá e enroscará uma margaridinha nos meus cabelos cacheados, fazendo pousar no meu rosto o sorriso de um beija-flor...
e plagiará Neruda sussurrando ao pé do ouvido:
"Quero fazer com você, o que a Primavera fez com as cerejeiras..."

(Marla de Queiroz)


"Porque eu tenho pesadelos que parecem tão reais até quando você me abraça.

E eu acordo triste, e brigo de verdade e passo o dia grave e dolorida como quando a gente leva um tombo no piso liso... que é só o passado.

É como se eu sentisse um ciúme horroroso do meu livro predileto comprado em sebo, a dedicatória apaixonada que não é a minha, os resquícios do manuseio de outras mãos.

Alguém corrompeu o trecho que eu mais gostava quando grifou à caneta algo que não pude apagar com borracha e que era tão secretamente meu.

Desenhou corações onde só havia minha dor e eu discordei da interpretação alheia.

E achei aquilo tudo de uma crueldade atroz.

Mas permaneci com o livro no colo, cheia de um afeto confuso por ele: afeto pelo que era, angústia por já ter sido de outro alguém, e aquela sensação (imbecil) de falta de exclusividade.

Eu que sempre achei que tudo é e está para o mundo.

Perdoa o meu senso de autoimportância, já que não consigo perdoar o meu egoísmo.

Eu sei que em alguns presentes, no embrulho, laços do passado são aproveitados.

Eu só queria que eles não fossem tão vermelhos: desses que doem nos olhos e no coração."

Marla de Queiroz


domingo, 20 de novembro de 2011



A IMPONTUALIDADE DO AMOR

Você está sozinho.

Você e a torcida do Flamengo.

Em frente a tevê, devora dois pacotes de Doritos enquanto espera o telefone tocar.

Bem que podia ser hoje, bem que podia ser agora, um amor novinho em folha.

Trimmm! É sua mãe, quem mais poderia ser?

Amor nenhum faz chamadas por telepatia. Amor não atende com hora marcada.

Ele pode chegar antes do esperado e encontrar você numa fase galinha, sem disposição para relacionamentos sérios.

Ele passa batido e você nem aí.

Ou pode chegar tarde demais e encontrar você desiludido da vida, desconfiado, cheio de olheiras. O amor dá meia-volta, volver.

Por que o amor nunca chega na hora certa?

Agora, por exemplo, que você está de banho tomado e camisa jeans.

Agora que você está empregado, lavou o carro e está com grana para um cinema.

Agora que você pintou o apartamento, ganhou um porta-retrato e começou a gostar de jazz.

Agora que você está com o coração às moscas e morrendo de frio.

O amor aparece quando menos se espera e de onde menos se imagina.

Você passa uma festa inteira hipnotizado por alguém que nem lhe enxerga, e mal repara em outro alguém que só tem olhos pra você.

Ou então fica arrasado porque não foi pra praia no final de semana.

Toda a sua turma está lá, azarando-se uns aos outros. Sentindo-se um ET perdido na cidade grande, você busca refúgio numa locadora de vídeo, sem prever que ali mesmo, na locadora, irá encontrar a pessoa que dará sentido a sua vida.

O amor é que nem tesourinha de unhas, nunca está onde a gente pensa.

O jeito é direcionar o radar para norte, sul, leste e oeste.

Seu amor pode estar no corredor de um supermercado, pode estar impaciente na fila de um banco, pode estar pechinchando numa livraria, pode estar cantarolando sozinho dentro de um carro.

Pode estar aqui mesmo, no computador, dando o maior mole.

O amor está em todos os lugares, você que não procura direito.

A primeira lição está dada: o amor é onipresente.

Agora a segunda: mas é imprevisível. Jamais espere ouvir "eu te amo" num jantar à luz de velas, no dia dos namorados.

Ou receber flores logo após a primeira transa.

O amor odeia clichês.

Você vai ouvir "eu te amo" numa terça-feira, às quatro da tarde, depois de uma discussão, e as flores vão chegar no dia que você tirar carteira de motorista, depois de aprovado no teste de baliza.

Idealizar é sofrer.

Amar é surpreender.

(Martha Meddeiros)


A Alegria na Tristeza

O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se "Alegría de la tristeza" e está no livro "La vida ese paréntesis" que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.
O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.
Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.
Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.
Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.
Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.
Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada.

Triste é não sentir nada.

(Martha Medeiros)